Tribunal Administrativo de
Círculo de
Leiria
18
de Maio de 2012
EXMO SENHOR JUIZ DE DIREITO
DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
DE CÍRCULO DE LEIRIA
A Agência Portuguesa do Ambiente, com sede
em Lisboa, N.I.F nº 507546880, domiciliada na Av. Almirante Gago Coutinho,
Nº30, 5º, em Lisboa,
Vem CONTESTAR
A Acção Administrativa Especial de
Impugnação de Acto Administrativo, ao abrigo dos arts. 46º/2 a), 50º e ss
e 83º do CPTA, intentada pelos autores,
Associação Bode Verde, sede em Castelo de Bode, N.I.F. nº
508235003, domiciliada na Praceta Ramo Verde, nº4 R/C Direito, Castelo de
Bode, e
Associação de Consumidores de Água de Lisboa, sede na Rua Verde,
nº11, 1800-025 Lisboa,
Nos
seguintes termos e fundamentos
I – DOS FACTOS
1º
O campeonato mundial de motonáutica vai
realizar-se na Albufeira de Castelo de Bode, pertencente ao distrito de
Santarém, incluindo o conjunto de Barragens da Bacia do rio Zêzere. O
campeonato terá a duração de 3 dias (15,16 e 17 de Junho de 2012).
2º
A
Albufeira de Castelo de Bode destina-se à prática de várias actividades,
incluin-do actividades recreativas.
3º
Neste
local praticam-se desportos aquáticos, incluindo motonáuticos.
4º
A motonáutica é um desporto aquático que
engloba todas as actividades realiza-das numa embarcação com propulsão por
motor de explosão (gasolina) ou com-bustão (gasóleo).
5º
A motonáutica é uma modalidade que envolve diversas
categorias, designadamen-te F1, T850, V24, PowerBoat P1, Fórmula Futuro, Radio
Controlados e HoverCraft.
6º
A autorização concedida pela Agência
Portuguesa do Ambiente (doravante, APA) à Federação Portuguesa de Motonáutica,
ao abrigo do Decreto-Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, destinou-se à realização
do Campeonato de Motonáutica na catego-ria de HoverCraft.
7º
Esta
autorização não envolveu qualquer outra categoria de motonáutica.
8º
No
HoverCraft é utilizado um veículo anfíbio, que para deslocar-se na água usa o
método de flutuação sustentado por uma almofada de ar, produzida por uma
turbi-na que o mantém a 15/25 cm da superfície.
9º
Esta
almofada de ar permite que o veículo tenha um contacto apenas com a super-fície
da água, não perturbando a fauna e flora da Albufeira uma vez que este veí-culo
não tem contacto com a profundidade aquática.
10º
A
almofada de ar é gerada a partir de um ventilador, que sopra ar em quantidade
para uma bolsa sob o aparelho, fazendo com que o sistema inteiro fique mais
leve permitindo que este flutue sobre a superfície.
11º
Relativamente
ao ponto 34º da petição inicial, a almofada não gera ondas ao con-trário de
outras embarcações, porque como foi referido no facto anterior a almofa-da não
tem força suficiente para tal.
12º
O motor de HoverCraft é um motor de expulsão a 4 tempos
que utiliza gasolina sem chumbo.
13º
O
disposto acima mostra que não estamos em desconformidade com Plano de
Ordenamento emitido pelo Governo, tal como é referido no ponto 30º da petição
inicial.
14º
O
facto de o motor de HoverCraft ser de 4 tempos, permite que a poluição seja
significativamente menor, face à emitida por motores mais baixos.
15º
Relativamente
ao ponto 29º da petição inicial, ao contrário do que é referido, a embarcação
derrama na água em média 3L/hora de combustível.
16º
Quanto ao facto 37º na petição inicial, o
veículo utilizado tem um sistema de lubrifi-cação próprio, o que impede o
derrame de óleo na água. Para além de que, este possui um filtro que retém 99%
das partículas poluentes; sendo assim este veículo é significativamente menos
poluente do que qualquer outro veículo aquático. (Doc.1)
17º
As
motas utilizadas neste Campeonato, foram previamente aprovadas pela Enti-dade
Ambiental ‘Poluição Zero’.
18º
Quanto
ao documento 1, apresentado como prova na petição inicial, que demons-tra as
alterações registadas na qualidade da água na Albufeira de Castelo de Bode,
apenas comprova que estas foram provocadas ao longo dos anos e por causas
naturais desconhecidas.
19º
Não
fica provado no documento 1, que os campeonatos de motonáutica tenham
contribuído para o agravamento da qualidade da água. E este campeonato não
será excepção, uma vez que o veículo utilizado move-se
através de uma almofada de ar e tem um sistema de filtragem de partículas
poluentes.
20º
A
degradação da qualidade da água pode ter origem nas várias actividades que se
realizam na Albufeira de forma reiterada, dado que a causa da poluição é
desco-nhecida.
21º
As
estruturas utilizadas no percurso do Campeonato são compostas por materiais
insufláveis, permitindo apenas um contacto com a superfície, não provocando
danos ambientais.
22º
No final do Campeonato os materiais serão todos
devidamente recolhidos, não ficando sujeitos a degradação ou assimilação pelo
ambiente.
23º
Relativamente ao ponto 31º da petição inicial,
respeitante às zonas de sanitários e de refeição, estas possuem armazenamento
próprio para resíduos.
24º
Na zona própria de refeições, tal como ao longo de todo o
percurso, serão coloca-dos depósitos do lixo e ecoponto.
25º
Os
sanitários serão estruturas móveis, possuindo depósitos próprios para
armaze-nar a matéria orgânica, que posteriormente será utilizada para adubo das
explora-ções agrícolas circundantes.
26º
Em
matéria de poluição sonora, que é referida nos pontos 24º e 25º da petição
inicial, o evento terá painéis de sonorização que irão permitir a redução dos
níveis sonoros, nas zonas onde o ruído poderá ser mais intenso e afectar as
áreas cir-cundantes.
27º
O veículo de HoverCraft, detém um silenciador de ruídos,
de modo a que as reper-cussões nos ciclos vitais da fauna sejam mínimas.
28º
Quanto
ao Parecer emitido pela APA, que consta no documento 2 em anexo à petição
inicial a que o ponto 44º a 47º da mesma faz referência, o mesmo não tem
qualquer semelhança com a situação em análise.
29º
O
Parecer emitido em 2009, referido no ponto anterior, em que se proibia a
reali-zação do Campeonato Mundial de Motonáutica, dizia respeito a outros tipos
de modalidades que não o Hovercraft. Essas é que estavam proibidas de se
realizar no campeonato, pelo que vimos demonstrar que o mesmo parecer foi mal
interpre-tado. Essas outras categorias da modalidade de motonáutica é que
implicam veí-culos com uma forte carga poluente, situação que não se compadece
com a que está aqui em causa, tendo em conta os factos precedentemente
enunciados.
30º
Por último, mas não menos importante, a autorização foi
concedida para a realiza-ção da competição no meio aquático da albufeira de
Castelo de Bode.
31º
As
zonas de protecção à Barragem e respectivos órgãos de segurança estão assim
vedadas à utilização do público em geral. Estes espaços é que podiam gerar
conflitos de maior, ficando deste modo, assente na autorização a proibição da
sua utilização.
32º
Os locais referidos no ponto anterior, não são como tal
lesados pela autorização da APA, estando protegidos de eventuais acidentes que
possam ocorrer.
II – DE DIREITO
33º
A actividade organizada, etapa de
campeonato mundial de Motonáutica na Albufeira de Castelo de Bode, não se
enquadra no artigo1.º/3 e 4 do Decreto-Lei (doravante DL) n.º 69/2000, de 3 de
Maio, alterado pelo DL 197/2005, de 8 de Novembro, uma vez que o projecto em
causa não está tipificado no anexo I, nem enunciado no anexo II.
34º
Não se encontra preenchido,
igualmente, o artigo 1.º/5 do DL acima referido, porque o artigo alude a que
sejam “sujeitos a AIA os projectos que (…) sejam considerados, por decisão
conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em razão da
matéria e do membro do Governo responsável pela área do ambiente, como
susceptí-veis de provocar um impacte significativo no ambiente, tendo em conta
os critérios estabelecidos no anexo V.”
35º
Conforme o artigo 1.º/5 do DL acima
referido, a Avaliação de Impacte Ambiental (doravante AIA) apenas é exigida
quando exista uma decisão conjunta do membro do Governo competente na área do
projecto em razão da matéria e do membro do Governo responsável pela área do
ambiente. Da não existência de uma decisão con-junta, aquilo que resulta e que
a AIA não é exigida.
36º
Assim, sem uma decisão conjunta das
entidades competentes, a APA não necessita de sujeitar o evento em causa a AIA.
37º
Os
autores na Petição Inicial (doravante PI) invocam a inexistência de uma decisão
conjunta dos membros do Governo competentes na área do projecto em razão da
matéria e do responsável pela área do ambiente.
38º
A inexistência invocada não prejudica
a nossa actuação, pelo contrário, afirma que não há necessidade de sujeitar o
projecto a AIA, ou seja, tal só seria necessário se tivesse havido decisão
proferida conjuntamente pelos membros do Governo compe-tentes na área do
projecto em razão da matéria e pelo responsável pela área do ambiente. (doc.2)
39º
A APA emitiu um parecer, em que
justificou o facto de, em anterior caso analisado ter emitido opinião diversa
àquela que hoje defende. (doc. 3)
40º
O Decreto
Regulamentar (doravante DR) n.º53/2007 foi revogado pelo DL n.º 56/2012, como
consta do seu artigo 17.º alínea c).
41º
O artigo 3.º/ 2, alínea l) do DL n.º
56/2012 vem estabelecer as seguintes atribuições à
APA, “Exercer as competências próprias
de licenciamento, qualificação, produção de normas técnicas e uniformização de
procedimentos em matérias ambientais especifi-cas.”
42º
Estas
atribuições eram já as previstas no Decreto Regulamentar, pelo que não se
veri-ficam alterações substanciais.
43º
Porém, o artigo 3.º/3, alínea d) do DL
n.º 56/2012 atribui à APA a possibilidade de emi-tir títulos de utilização de
recurso hídricos, uma vez que a APA sucedeu nas atribui-ções do Instituto da
Água, IP, nos termos do artigo 15º, n.º 1 b) do DL 56/2012. Ante-riormente a
esta DL a entidade que tinha jurisdição para emitir aqueles títulos era o
Instituto da Água, IP, nos termos do DL n.º 46/94 (revogado pela Lei 58/2005)
artigo 98.º, nº 2, c).
44º
Dadas estas
alterações legislativas à APA tem, assim, competência para emitir títulos de
utilização de recursos hídricos e licenciamentos, qualificação e normas
técnicas.
45º
A APA emitiu uma autorização para a
realização do campeonato mundial de Motonáu-tica na Albufeira de Castelo de
Bode.
46º
Os
autores, na PI, invocam a incompetência da APA para a emissão de autorizações.
O argumento não procede tendo em conta que processo de licenciamento ou de
emis-são de título de utilização de recursos hídricos, é mais formalista e
garantístico do que o da autorização. Portanto, quem tem competência para o
mais, tem também para o menos. Deste modo, a APA tinha competência para
conceder autorização, tendo esta seguido um procedimento mais exigente em
comparação àquele que seguiria se fosse uma mera autorização.
47º
Tendo
em conta o requerimento emitido pela Federação Portuguesa de Motonáutica (FPM),
a APA decidiu seguir o procedimento exigido para a emissão de títulos de
utili-zação de recursos hídricos – artigo 26.º a 36.º do DL 226-A/2007.
48º
Não
obstante o procedimento adoptado, a APA atribuiu materialmente o nome de
autorização, mesmo estando em causa um verdadeiro título de utilização de
recursos hídricos.
49º
Por uma razão de simplicidade, e por
ser um evento com projeção pública e interna-cional, a APA considerou ser
preferível a adopção do conceito “autorização” em prol de “título de utilização
de recursos hídricos”, uma vez que é um conceito técnico e complexo que poderia
provocar ambiguidade no público alvo.
´
50º
O argumento invocado pelos autores na
PI, em relação à competência para autorizar a actividade não procede, pois a
Portaria n.º 783/98 e da Portaria n.º 127/2006, que alte-ra a primeira, têm um
âmbito de aplicação diverso.
51º
As portarias referidas aplicam-se à
navegação de recreio em albufeiras de água públi-cas de serviço público –
artigo 1.º da Portaria n.º 783/98.
52º
A referida portaria concretiza o DL
n.º 124/2004, de 25 de Maio, isto é, aplica-se às actividades náuticas de
recreio.
53º
O
artigo 1.º/3, alínea a) do DL referido, exclui do âmbito de aplicação do mesmo
“ as embarcações exclusivamente destinadas a competição, incluindo os barcos a
remos de competição, reconhecidas nessa qualidade pelas respectivas
federações”, que era o nosso caso.
54º
Conclui-se
desta forma, que as portarias invocadas pelos autores não são passiveis de
aplicação. Daí se retira que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional (CCDR) não teria competência para autorizar o campeonato de
motonáutica.
55º
Os argumentos invocados no artigo nº
57 e 58 referidos na PI não procedem, uma vez que a competição de motonáutica
não põe em causa o direito a um ambiente humano
e
ecologicamente equilibrado, por se verificar que os veículos em causa dispõem
de mecanismos técnicos que salvaguardam o meio ambiente como ficou demonstrado
anteriormente.
56º
Não
se encontram violados os princípios referidos da Lei da Água (Lei nº58/2005, de
29 de Dezembro) porque já ficou provado anteriormente que nem as
infraestruturas nem os veículos de Hovercraft são causadores de quaisquer danos
na qualidade da água.
57º
O
artigo 46.º da Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro) não se encontra
violado uma vez que os veículos utilizados possuem sistemas de filtragem das
partícu-las poluentes, ou seja, foram tomadas todas as medidas necessárias para
evitar a deterioração das massas de água superficiais.
58º
O pedido exigido pelo artigo 33.º/1 da
Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril) não tem qualquer
fundamento, pois como já foi provado a actividade em cau-sa não tem impacte
ambiental não estando portanto no âmbito de aplicação deste arti-go.
59º
Quanto
ao artigo 63.º da PI, já ficou demonstrado ao longo desta contestação que foram
tomadas todas as medidas de modo a prevenir e a evitar a criação de riscos
desrazoáveis para a água.
III) DO PEDIDO:
Pelo
exposto, e nos demais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve a acção
ser julgada totalmente improcedente, e em\ consequência, ser o Réu absolvido do
pedido
Junta: Procuração Forense (1), comprovativo
do pagamento da taxa de justiça e 3 documentos.
VALOR: € 30,000,01 (trinta mil euros e
um cêntimo)
PROVA TESTEMUNHAL:
1. Rodrigo Pais, portadora do Bilhete
de Identidade nº 15454292, emitido em 27-02-2005, residente em Rua Afonso
Domingues, nº54, 2645-030, Vila Real;
2.Cassiano
Martins, portador do Bilhete de Identidade nº 18948179, emitido em 15-01-2008,
residente em Rua Guilherme de Aguilar, nº32, 2º esq., 2620-258, Lisboa;
3. Susana
Cristo, portadora do Bilhete de Identidade nº 54899774, emitido em 14-06-2006,
residente em Avenida Olaria de Chaves, nº47, 7º esq., 1890-147, Lisboa.
Os Advogados
Carlos
Rodrigues
Carlos Rodrigues
(cédula profissional nº 5557L)
Daniela
Correia
Daniela Correia (cédula profissional nº
7789L)
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