terça-feira, 8 de maio de 2012

Petição Inicial da Associação Ambientalista Bode Verde (Subturma9)




Petição Inicial da Associação Ambientalista Bode Verde


Exmo. Senhor Dr.
Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria
A Associação Bode Verde (doravante AABV), organização não-governamental de ambiente, nos termos do artigo 2º da Lei nº 35/98 (Estatuto das ONGA),  registada com o nº 7654321 no R.N.C.P, sediada na Rua das Flores nº4, 2300-196 São Pedro de Tomar, vem, nos termos dos artigos 2º nº1 e 9º nº 2, do artigo 52º nº3 a) da CRP, dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 83/95 e do artigo 9º nº2 do CPTA, intentar conforme os artigos 46º nºs 1 e 2, 47º nº 1, 4º nº 1 b), 5º nº1, 50º nº 1e 51º nº1 do CPTA, ação administrativa especial, na qual se cumulam os seguintes pedidos:
- A desaplicação incidental de norma regulamentar ilegal, nomeadamente do POACB, nos termos gerais do Principio da Legalidade inerente ao Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP);
- A anulação de ato administrativo praticado ao abrigo da norma regulamentar ilegal, designadamente da autorização para a realização de uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo do Bode, nos termos dos artigos 46º nº1 e 2 a), 50º nº1 primeira parte e 51º nº1 do CPTA.
Contra o seguinte sujeito, nos termos do artigo 10º nº2 do CPTA:
- Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público, sediada na Rua da Murgueira, 9/9A Zambujal, Ap. 7585 - 2610-124 Amadora.
Figurando como contra-interessado, para efeitos do artigo 78º nº2 f) do CPTA:
- Federação Portuguesa de Motonáutica, SA, pessoa colectiva com o nº 7463527, sediada na Avenida Infante D. Henrique – Muralha Nova S/N, 1900-264 Lisboa.
Com os fundamentos seguintes:
I.                   Dos Factos
A Federação Portuguesa de Motonáutica promove, entre outras atividades, a realização de campeonatos de motonáutica, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
A Federação Portuguesa de Motonáutica pretende realizar, no próximo dia 7 de Junho de 2012, uma etapa do campeonato mundial de motonáutica, a realizar na Albufeira de Castelo do Bode.
Nessa etapa do campeonato mundial de motonáutica participarão concorrentes de várias categorias, nomeadamente F1, F2, F4 (catamarans) e Hovercraft (anfíbio).
A Albufeira de Castelo do Bode dispõe de uma fauna e flora ricas.

A qualidade da água é propícia ao desenvolvimento das espécies marinhas e das aves migratórias que por lá habitam, sendo peça fundamental do equilíbrio dos ecossistemas.

As embarcações utilizadas são equipadas com motores potentes, bastante ruidosos. Ainda referente às corridas de catamarans, o enorme barulho produzido pelos motores e pelas turbinas altera os sensores auditivos das espécies marinhas, dos quais dependem para a sua sobrevivencia, como se comprova por um estudo levado a cabo na Áustria, Noise emission during the first powerboat race in an Alpine lake and potential impact on fish communities (Anexo 2).
Sendo movidas a combustíveis fósseis, as embarcações em causa libertam resíduos nas águas, nomeadamente óleos, gasolinas e outros derivados. Assim, a saída de combustível carburado pelos motores dos catamarans tem um grave impacto nos níveis de hidrocarbonetos, de difícil absorção pela água e tornando dispendioso a sua filtragem pelas albufeiras, como se vê pelo estudo americano intitulado The Effects of Motorized Watercraft on Aquatic Ecosystems (Anexo 3).

Outro efeito potenciado pela realização da competição é o sobreaquecimento das águas.
As hélices dos catamarans, ao atingirem elevadas rotações, são mortíferas para as espécies aquáticas de alta profundidade presentes na zona, tais como a boga, o peixe-gato, achigãs e mesmo lontras.

10º
Outros estudos sobre alterações ambientais realizados anteriormente, nomeadamente nas Berlengas, evidenciam as consequências nefastas que agora se pretendem evitar. De salientar a relevância da tese de mestrado de MAFALDA GOMES INGLÊS - Avaliação dos Impactes das Condicionantes nas Actividades Socioeconómicas em Áreas Marinhas Protegidas: caso de estudo na reserva natural da Berlenga (Anexo 4).

11º
Algumas dessas espécies, nomeadamente as lontras, são raras, encontrando-se mesmo em vias de extinção, pelo que a sua perda terá um efeito irreversível.
12º
Um dos principais usos da albufeira é o abastecimento público de água na área metropolitana de Lisboa.
13º
A poluição gerada pelas embarcações prejudica a qualidade da água. Com efeito, a reposição dos índices normais da qualidade da água, seja para utilização humana, seja ao nível dos ecossistemas locais, implicará necessariamente intervenções de limpeza e descontaminação (Anexo 5).
14º
Mas se tais custos económico-ambientais são estimáveis no plano estritamente local, ao nível da circunscrição do perímetro da albufeira, já o mesmo não acontece quanto a um nível mais alargado e global.
15º
Pois, sendo reconhecido universal e cientificamente que o meio ambiente não é algo de compartimentável, estanque ou que conheça fronteiras.
16º
Os seus efeitos e respetivos danos ambientais ultrapassam essas fronteiras físicas, repercutindo-se, não raras vezes, locais bem distantes daquele de onde foram gerados.

II.                Do Direito
1.      Da Desconformidade do Regulamento Administrativo à Lei da Água
17º
Nos termos do artigo 1º nº3 da Resolução do Conselho de Ministros nº 69/2003, o Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode (POACB) abrange o plano de água e a zona de proteção dos seguintes concelhos: Abrantes, Ferreira do Zêzere, Figueiró dos Vinhos, Sardoal, Sertã, Tomar e Vila de Rei.
18º
De acordo com o Decreto Regulamentar nº 2/88, de 20 de Janeiro, são aquelas regiões classificadas como albufeiras de águas públicas protegidas, entendendo-se como tal aquela cuja água é ou se prevê que venha a ser utilizada para abastecimento de populações e aquelas cuja proteção é ditada por razões de defesa ecológica.
19º
Uma vez que, a prática de desportos náuticos destrói o estado ecológico dos recursos hídricos da albufeira e afeta os ecossistemas aquáticos, pode afirmar-se que a autorização que permite a realização do Campeonato de Motonáutica na Albufeira, violou um dos objetivos elencados no artigo 2º, nº2 f) do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode (POACB).
20º
Na autorização é referido que ela não abrange a zona de proteção às captações superficiais, tal como consta do artigo 10º do POACB, isto porque nesta zona não é permitida a prática de desportos náuticos.
21º
O nº3 do mesmo artigo, por seu turno, dispõe que aquelas zonas devem ser demarcadas através da colocação de bóias no plano de água pela entidade competente.
22º
Como tal não se verificou, pode conclui-se que a delimitação das mesmas é insuficiente.
23º
O artigo 12º nº2, determina que as atividades secundárias, nomeadamente a prática de desportos náuticos, possam ser suspensas, a qualquer momento pelas entidades que concederam a respetiva autorização, sempre a qualidade da água o justifique.
24º
Nos termos dos artigos 6º nº1 f), 30º i) e 31º nº3 do POACB, o licenciamento das instalações destinadas a equipamentos das atividades secundárias pressupõe a prévia aprovação dos respetivos projetos, projetos estes que têm de conter todos os elementos que permitam verificar a sua conformidade com o POACB quanto às suas características construtivas, estéticas e de instalações técnicas, bem como á sua implementação no local e relação com os acessos, se tal não se verificar, como parece que de fato ocorreu, as atividades em questão carecem da necessária licença.  
25º
Não obstante a sujeição da prática das atividades secundárias previstas no POACB a emissão de licença, tal não se afigura como suficiente para a devida tutela dos interesses ambientais em jogo.
26º
O regime de atribuição de licença não garante de forma efectiva a prossecução dos princípios da prevenção e da precaução, consagrados no artigo 3º nº1 e) e f) da Lei nº58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água).
27º
Como tal, encontra-se a Administração vinculada ao Princípio da Prevenção lato sensu, o qual implica um dever de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.
28º
Tal princípio tem consagração constitucional, pelo que, nos termos do artigo 66º nº2 a) e b) da CRP, de modo a assegurar o direito ao ambiente, tem o Estado como incumbências, entre outras, a de prevenir e controlar a poluição e a de ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem (artigo 66º nº2 b) da CRP).
29º
Posto isto, trata-se de um regulamento ilegal, na medida em que permite a realização de competições desportivas, eventos que implicam impactos ambientais acrescidos e que, não deveriam, por conseguinte, ser autorizados, de acordo com as máximas de prevenção e precaução impostas pela Lei da Água.

2.      Da Desconformidade do Regulamento Administrativo aos Princípios Jus Ambientais consagrados na CRP
30º
Nos termos no artigo 66º nº1 da CRP, todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
31º
Nos termos do artigo 66º nº2 d) da CRP deve o Estado promover o aproveitamento racional dos recursos. Trata-se do Princípio do Aproveitamento Racional dos Recursos, o qual obriga à adopção de critérios de eficiência ambiental na tomada de decisões por parte da Administração, de modo a racionalizar o aproveitamento dos recursos naturais existentes, os quais são esgotáveis, nomeadamente a água.
32º
Acresce que a CRP consagra, no seu artigo 66º nº2, um Princípio de Desenvolvimento Sustentável o qual estabelece uma exigência de ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica, tomada pelos poderes públicos. Como tal, a máxima do desenvolvimento sustentável obriga à fundamentação ecológica das decisões jurídicas de desenvolvimento económico, estabelecendo a necessidade de ponderar, em cada caso, tanto os benefícios de natureza económica como os prejuízos de ordem ambiental.
33º
Posto isto, encontra-se o POACB em violação, para além das disposições supra mencionadas da Lei da Água, dos preceitos constitucionais em matéria de Princípios Jus Ambientais (artigo 66º nºs 1, 2 a), b) e d) da CRP).

3.      Da Falta de Avaliação Ambiental do Regulamento Administrativo
34º
O regime da Avaliação Ambiental é regulado pelo Decreto-Lei nº 232/2007, de 15 de Junho.
35º
O referido diploma legal estatui, na alínea a) do nº 1 do seu art.3º:
Artigo 3.º
1 – Estão sujeitos a avaliação ambiental:
a)      Os planos e programas para (…) ordenamento urbano e rural (…);
36º
Ora, daqui decorre que o Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode deve ser sujeito a avaliação ambiental, por cair no âmbito deste artigo 3º.
37º
Sucede que o referido Plano não foi, de facto, objecto de avaliação ambiental.
38º
Só assim não seria se estivéssemos perante um caso passível de isenção de avaliação ambiental, o que não sucede;
39º
O nº 1 do art. 4.º do Decreto-Lei nº 232/2007 estabelece os casos passíveis da referida isenção:
Artigo 4.º
Isenções
1 — Os planos e programas referidos nas alíneas a)e b) do n.o1 do artigo anterior em que se determinea utilização de pequenas áreas a nível local e pequenasalterações aos planos e programas aí referidos só devemser objecto de avaliação ambiental no caso de se determinar que os referidos planos e programas são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nos termos previstos no n.o6 do artigo anterior.
2 — A entidade responsável pela elaboração do planoou programa pode solicitar a emissão de parecer, noprazo de 30 dias, sobre a matéria referida no númeroanterior às entidades às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano ou programa.
40º
Não se aceita que o Plano de Ordenamento em causa consubstancie um caso de isenção.
41º
Assim porque, ainda que se possa considerar a área a ser utilizada a nível local pequena, tal por si só não é suficiente para que haja lugar a isenção.
42º
Tal apenas sucederá quando, para além deste critério, o referido Plano não seja susceptível de ter efeitos significativos no ambiente.
     43º
Na verdade, o plano em questão preenche vários dos critérios estabelecidos na lei para determinar a probabilidade da produção de “efeitos significativos no ambiente”.
    44º
O anexo à lei em causa (ao qual manda atender o nº6 do art. 3.º da mesma), indica os seguintes citérios:
Critérios de determinação da probabilidade de efeitos significativos no ambiente:
1— Características dos planos e programas, tendo em conta, nomeadamente:
a) O grau em que o plano ou programa estabelece um quadro para os projetos e outras atividades no que respeita à localização, natureza, dimensão e condições de funcionamento ou pela afetação de recursos;
(…)
d) Os problemas ambientais pertinentes para o plano ou programa;
e) A pertinência do plano ou programa para a implementação da legislação em matéria de ambiente.
2— Características dos impactes e da área suscetível de ser afetada, tendo em conta, nomeadamente:
a) A probabilidade, a duração, a frequência e a reversibilidade dos efeitos;
(…)
d) Os riscos para a saúde humana ou para o ambiente, designadamente devido a acidentes;
(…).


45º

Como pode ser depreendido pelos factos acima indicados, este plano, ao permitir a realização de um campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo do Bode, preenche várias destas condições. Ora vejamos:
- O plano afeta os recursos hídricos;
- Traz consigo problemas ambientais graves, por afetar várias espécies de peixes, alterando assim de forma possivelmente irreversível o ecossistema da zona;
-Acarreta ainda o risco de acidentes que prejudicariam gravemente a qualidade da água, as espécies de peixes e aves migratórias que nelas habitam;
- Apresenta riscos para a saúde humana, pelo principal uso da albufeira ser o de abastecimento público de água a Lisboa.
46º
Face as estes critérios, conclui-se que este não seria um Plano isento de avaliação ambiental.
47º
A preterição desta exigência legal vicia o regulamento administrativo em causa de ilegalidade, nos termos gerais do Princípio da Legalidade, subjacente ao Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP).
48º
Nos termos do artigo 115º nº5 da CRP, nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

4.      Da Invalidade do Ato Administrativo de Autorização da Realização da para a realização de uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo do Bode
49º
Ao abrigo deste regulamento alegadamente inválido, foi emitida pela Associação Portuguesa do Ambiente, no âmbito do respetivo procedimento, um ato administrativo de autorização.
50º
Nos termos do artigo 135º do CPA, é o ato em causa viciado de invalidade e, por conseguinte, anulável, uma vez que tem por base um regulamento também inválido.

Em termos em que se pede, em cumulação de pedidos, nos termos dos artigos 47º nº1 e 4º nºs 1 b) do CPTA:
- A desaplicação incidental de norma regulamentar ilegal, nomeadamente do POACB, nos termos gerais do Principio da Legalidade inerente ao Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP);
- A anulação de ato administrativo praticado ao abrigo da norma regulamentar ilegal, designadamente da autorização para a realização de uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo do Bode, nos termos dos artigos 46º nº1 e 2 a), 50º nº1 primeira parte e 51º nº1 do CPTA.

Prova Documental:
Anexo 1 – Procuração Forense
Anexo 2 – ASPLUND, Timothy R., Noise emission during the first powerboat race in an Alpine lake and potential impact on fish communities
Anexo 3 – AMOSER, Sonja, WYSOCKI, Lidia, LADICH, Friedrich - The Effects of Motorized Watercraft on Aquatic Ecosystems
Anexo 4 – MAFALDA GOMES INGLÊS - Avaliação dos Impactes das Condicionantes nas Atividades Socioeconómicas em Áreas Marinhas Protegidas: caso de estudo na reserva natural da Berlenga
Anexo 5 – Notícia do Jornal Jornal da Vila, datada de 18 de Agosto de 2011

Prova Testemunhal: Carlos Limpinho Gomes da Silva, portador do Cartão do Cidadão nº 25745854, residente na Rua da Purificação, nº3, 2300-196 São Pedro de Tomar, na qualidade de perito em engenharia do ambiente.

Valor da Ação: Valor indeterminável, nos termos do artigo 34º nº1 do CPTA. Nos termos dos artigos 34º nº2 do CPTA, 6º nº4 do ETAF e 24º nº1 da Lei nº 3/99, considera-se o valor da causa é de €30000, 01.

Requerimento de Providência Cautelar
Exmo. Senhor Doutor
Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria
A Associação Ambientalista Bode Verde (doravante AABV), organização não-governamental de ambiente, nos termos do artigo 2º da Lei nº 35/98 (Estatuto das ONGA), registada com o nº 7654321 de 18 de Novembro de 1999, sediada na Rua das Flores nº4, 2300-196 São Pedro de Tomar, vem nos termos do artigo 9º e 10º do Estatuto das ONGA, do artigo 52º nº3 a) da CRP, dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 83/95 e do artigo 9º nº2 do CPTA, intentar conforme os artigos 112º nºs 1, 113º nº1 e 114º nº1 b) do CPTA, em dependência da causa principal, a seguinte providência cautelar:
- Suspensão da Eficácia de um Ato Administrativo, nomeadamente da autorização para a realização de uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo de Bode, nos termos do artigo 112º nº 2 a) do CPTA.
Contra o seguinte sujeito, nos termos do artigo 10º nº2 do CPTA:
- Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público, sediada na Rua da Murgueira, 9/9A Zambujal, Ap. 7585 - 2610-124 Amadora.
Figurando como Contra-Interessado, para efeitos do artigo 114º nº3 d) do CPTA:
- Federação Portuguesa de Motonáutica, sediada na Avenida Infante D. Henrique – Muralha Nova S/N, 1900-264 Lisboa.
Invocam-se os seguintes argumentos:

I – Dos Factos:
A Federação Portuguesa de Motonáutica promove, entre outras atividades, a realização de campeonatos de motonáutica, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
A Federação Portuguesa de Motonáutica pretende realizar, no próximo dia 7 de Junho de 2012, uma etapa do campeonato mundial de motonáutica, a realizar na Albufeira de Castelo do Bode.
Nessa etapa do campeonato mundial de motonáutica participarão concorrentes de várias categorias, nomeadamente F1, F2, F4 (catamarans) e Hovercraft (anfíbio).
A Albufeira de Castelo do Bode dispõe de uma fauna e flora ricas.

A qualidade da água é propícia ao desenvolvimento das espécies marinhas e das aves migratórias que por lá habitam, sendo peça fundamental do equilíbrio dos ecossistemas.

As embarcações utilizadas são equipadas com motores potentes, bastante ruidosos. Ainda referente às corridas de catamarans, o enorme barulho produzido pelos motores e pelas turbinas altera os sensores auditivos das espécies marinhas, dos quais dependem para a sua sobrevivencia, como se comprova por um estudo levado a cabo na Áustria, Noise emission during the first powerboat race in an Alpine lake and potential impact on fish communities (Anexo 2).
Sendo movidas a combustíveis fósseis, as embarcações em causa libertam resíduos nas águas, nomeadamente óleos, gasolinas e outros derivados. Assim, a saída de combustível carburado pelos motores dos catamarans tem um grave impacto nos níveis de hidrocarbonetos, de difícil absorção pela água e tornando dispendioso a sua filtragem pelas albufeiras, como se vê pelo estudo americano intitulado The Effects of Motorized Watercraft on Aquatic Ecosystems (Anexo 3).

Outro efeito potenciado pela realização da competição é o sobreaquecimento das águas.
As hélices dos catamarans, ao atingirem elevadas rotações, são mortíferas para as espécies aquáticas de alta profundidade presentes na zona, tais como a boga, o peixe-gato, achigãs e mesmo lontras.

10º
Outros estudos sobre alterações ambientais realizados anteriormente, nomeadamente nas Berlengas, evidenciam as consequências nefastas que agora se pretendem evitar. De salientar a relevância da tese de mestrado de MAFALDA GOMES INGLÊS - Avaliação dos Impactes das Condicionantes nas Actividades Socioeconómicas em Áreas Marinhas Protegidas: caso de estudo na reserva natural da Berlenga (Anexo 4).

11º
Algumas dessas espécies, nomeadamente as lontras, são raras, encontrando-se mesmo em vias de extinção, pelo que a sua perda terá um efeito irreversível.
12º
Um dos principais usos da albufeira é o abastecimento público de água na área metropolitana de Lisboa.
13º
A poluição gerada pelas embarcações prejudica a qualidade da água. Com efeito, a reposição dos índices normais da qualidade da água, seja para utilização humana, seja ao nível dos ecossistemas locais, implicará necessariamente intervenções de limpeza e descontaminação (Anexo 5).
14º
Mas se tais custos económico-ambientais são estimáveis no plano estritamente local, ao nível da circunscrição do perímetro da albufeira, já o mesmo não acontece quanto a um nível mais alargado e global.
15º
Pois, sendo reconhecido universal e cientificamente que o meio ambiente não é algo de compartimentável, estanque ou que conheça fronteiras.
16º
Os seus efeitos e respetivos danos ambientais ultrapassam essas fronteiras físicas, repercutindo-se, não raras vezes, locais bem distantes daquele de onde foram gerados.
II – Do Direito:
17º
Nos termos no artigo 66º nº1 da CRP, todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
18º
De modo a assegurar o direito ao ambiente, tem o Estado como incumbências, entre outras, a de prevenir e controlar a poluição (artigo 66º nº2 a) da CRP) e a de ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem (artigo 66º nº2 b) da CRP).
19º
Como tal, encontra-se a Administração vinculada ao Princípio da Prevenção lato sensu, o qual implica um dever de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.
20º
Nos termos do artigo 66º nº2 d) da CRP deve o Estado promover o aproveitamento racional dos recursos. Trata-se do Princípio do Aproveitamento Racional dos Recursos, o qual obriga à adopção de critérios de eficiência ambiental na tomada de decisões por parte da Administração, de modo a racionalizar o aproveitamento dos recursos naturais existentes, os quais são esgotáveis, nomeadamente a água.
21º
Verifica-se neste caso uma situação de periculum in mora, para efeitos do artigo 120º nº1 b) primeira parte do CPTA, na medida em que a execução do ato administrativo impugnado na ação principal conduzirá à produção de prejuízos de difícil reparação, nomeadamente no que respeita à preservação da biodiversidade e à gestão eficiente dos recursos hídricos.
22º
Verifica-se também o requisito do artigo 120º nº1 b) in fine do CPTA, na medida em que não é neste caso manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal, designadamente a impugnação de ato administrativo.
23º
Concomitantemente, não se verifica nenhuma circunstância que obste ao conhecimento de mérito da pretensão formulada no processo principal, ainda para efeitos do artigo 120º nº1 b) in fine do CPTA.
24º
Ponderando os interesses públicos e privados em presença, nos termos do artigo 120º nº 2 do CPTA, há que confrontar os interesses defendidos pela AABV, nomeadamente o direito ao ambiente, a preservação da biodiversidade e o aproveitamento racional dos recursos hídricos, com os interesses da Administração e com os da Associação Portuguesa de Motonáutica.
25º
Como interesses da Administração pode apontar-se o interesse público na dinamização da região de Castelo de Bode, assim como o estímulo económico subjacente à receção de um evento mundial.
26º
Como interesses da Associação Portuguesa de Motonáutica pode apontar-se o direito à iniciativa privada, consagrado no artigo 61º nº1 da CRP.
27º
Procedendo a uma ponderação dos interesses em jogo, de acordo com o Princípio da Proporcionalidade, temos que a tutela dos interesses económicos não legitima uma preterição irreversível dos interesses ambientais tutelados pela AABV, em especial no que respeita à preservação da biodiversidade.
28º
A decisão administrativa mostra-se, pois, desnecessária e desproporcional stricto sensu, violando o artigo 266º nº2 da CRP, uma vez que os interesses económicos quer da Administração, quer da Associação Portuguesa de Motonáutica, poderiam ser efetivados por outros meios, menos gravosos para o ambiente.
29º
Acresce que a CRP consagra, no seu artigo 66º nº2, um Princípio de Desenvolvimento Sustentável o qual estabelece uma exigência de ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica, tomada pelos poderes públicos. Como tal, a máxima do desenvolvimento sustentável obriga à fundamentação ecológica das decisões jurídicas de desenvolvimento económico, estabelecendo a necessidade de ponderar, em cada caso, tanto os benefícios de natureza económica como os prejuízos de ordem ambiental.
30º
Posto isto, conclui-se que os interesses defendidos pela AABV merecem tutela cautelar, nos termos do artigo 120º nºs1 b) e 2 do CPTA, estando verificados todos os requisitos.

Em termos em que se pede a decretação de providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo, nomeadamente suspensão da autorização para a realização de uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo de Bode, nos termos do artigo 112º nº 2 a) do CPTA, até que seja proferida decisão na ação principal, de acordo com o artigo 122º nº3 do CPTA.

Prova Documental:
Anexo 1 – Procuração Forense
Anexo 2 – ASPLUND, Timothy R., Noise emission during the first powerboat race in an Alpine lake and potential impact on fish communities
Anexo 3 – AMOSER, Sonja, WYSOCKI, Lidia, LADICH, Friedrich - The Effects of Motorized Watercraft on Aquatic Ecosystems
Anexo 4 – MAFALDA GOMES INGLÊS - Avaliação dos Impactes das Condicionantes nas Atividades Socioeconómicas em Áreas Marinhas Protegidas: caso de estudo na reserva natural da Berlenga
Anexo 5 – Notícia do Jornal Jornal da Vila, datada de 18 de Agosto de 2011

Valor da causa: Determinável nos termos do artigo 32º nº6 do CPTA, tendo em conta o valor dos prejuízos que se quer evitar e dos bens que se querem conservar.

Anexos:
I – Procuração Forense
PROCURAÇÃO FORENSE

    A ASSOCIAÇÃO AMBIENTAL BODE VERDE, organização não-governamental de ambiente, registada no RNPC com o nº 7654321 desde 18 de Novembro de 1999, sediada na Rua das Flores nº4, 2300-196 São Pedro de Tomar constitui como seu bastante procurador FREDERICO POUCORRICO ALMEIDA, solicitador com escritório na Rua das Patacas, nº15, 2º andar, 4750-310, Lisboa, a quem confere poderes forenses gerais e os especiais para confessar, desistir ou transigir.

Lisboa, 4 de Maio de 2012

II - Noise emission during the first powerboat race in an Alpine lake and potential impact on fish communities

III - The Effects of Motorized Watercraft on Aquatic Ecosystems

IV - Avaliação dos Impactes das Condicionantes nas Atividades Socioeconómicas em Áreas Marinhas Protegidas: caso de estudo na reserva natural da Berlenga

V - Notícia do Jornal Jornal da Vila, datada de 18 de Agosto de 2011

Jornal da Vila
18 de Agosto de 2011
Campeonato Mundial de Motonáutica passa por Vila Real de Santo António, deixando também recordações negativas
Entre os dias 7 e 14 de Junho de 2011 realizou-se mais uma etapa do Campeonato Mundial de Motonáutica. Vila Real de Santo António foi o palco do evento, tendo recebido mais de 5000 visitantes. Apesar dos impactos positivos no turismo, com os hotéis a atingir uma taxa de ocupação entre os 80 e os 90%, não podemos esquecer os “avisos” da Associação Ambientalista Amigos da Ria Formosa, que levou a cabo vários protestos durante essa semana. Acontece que o tempo deu razão àqueles protestos, sendo hoje visíveis os impactos ambientais causados pela competição. De acordo com um estudo levado a cabo pela Faculdade de Ciências da Universidade do Algarve, houve um deteriorar da qualidade da água, verificando-se um aumento dos valores de hidrocarbonetos e fosfatos por m3 de massa de água. Segundo declarações de Bernardo Peixinho Reis, perito em biologia marinha na Faculdade de Ciências da Universidade do Algarve, «foram pesados os impactos ambientais causados pela competição, em especial quanto à flora e fauna, fortemente afetadas pela poluição, não só causada pelas embarcações, como pelas pessoas, que deviam ter algum civismo!».
A este panorama acrescem os elevados custos de limpeza da Ria Formosa, suportados pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António. Os populares falam mesmo em injustiça, uma vez que estão a «pagar para limpar aquilo que os outros sujaram».





Publicado por: Andreia Costa, João Mascarenhas de Carvalho, João Silva, Maria Estêvão, Marta Franco e Marta Silva (SUBTURMA 9)





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