Parecer
nº 350/2012 Processo
N.º 0687/12
Exmºs.
Srs. Juízes Conselheiros
Aos
tribunais de jurisdição administrativa e fiscal compete a
apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos
fundamentais e direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares, nos termos do artigo 4º, nº1, alínea a) do Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante, ETAF).
Nesta
acção, estão em causa direitos fundamentais, bem como, direitos e
interesses legalmente protegidos, logo, os tribunais competentes para
apreciar a acção em causa são os tribunais administrativos e
fiscais.
Compete
ao Ministério Público (daqui em diante, MP), nos termos dos artigos
219º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e
1º do Estatuto do Ministério Público, a defesa da legalidade e a
tutela do interesse público.
Nos
termos do artigo 85º do Código de Processo dos Tribunais
Administrativos (daqui em diante, CPTA), o MP pode: solicitar a
realização de diligências instrutórias, pronunciar-se sobre o
mérito da causa em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e
de interesses públicos e invocar causas de invalidade diversas das
que tenham sido arguidas na petição inicial, bem como quaisquer
questões que determinem nulidades ou inexistência do acto
impugnado.
A
acção em questão é susceptível de tutela jurisdicional efectiva,
de acordo com o artigo 2º, nº 1 e 2, alínea d) do CPTA, pois aos
direitos e interesses protegidos, corresponde uma tutela
jurisdicional, que visa obter a anulação dos actos administrativos.
Assim,
estamos perante uma acção administrativa especial, nos termos do
artigo 46º, nº 1 e 2, alínea a) do CPTA.
A
Associação Ambientalista Bode Verde e Associação dos Consumidores
de Água de Lisboa, intentaram acção administrativa especial, na
modalidade de acção de impugnação de acto administrativo em
cumulação com acção de condenação da Administração Pública à
não emissão de um acto administrativo lesivo
contra a Agência Portuguesa do Ambiente, Em
Litisconsórcio Voluntário, nos
termos dos artigos 55º, nº1, al. a) e 9º, nº 2.
termos dos artigos 55º, nº1, al. a) e 9º, nº 2.
- Da Providência Cautelar
A
providência cautelar visa assegurar a utilidade de uma lide
principal, ou seja, de um processo que normalmente, poderá ser
longo, porque implica uma cognição plena.
Nos
termos do referido artigo 120.º, nº 1, alínea b), as providências
cautelares conservatórias são adoptadas "havendo
fundado receio (…)
da
produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses
que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja
manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular
nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu
conhecimento de mérito.”
Estas
providências têm como requisitos:
- Periculum in mora: exige-se para a adopção da providência que haja um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil recuperação para os interesses que o requerente da providência cautelar quer assegurar na acção principal;
- Fumus boni iuris: este critério, aparência de bom direito, é decisivo na legislação portuguesa em matéria cautelar. Com efeito, se o requerente de uma providência cautelar conseguir demonstrar a evidência da procedência do processo principal, o juiz deve decretar a providência sem necessitar da prova de outro requisito (periculum in mora). Pelo contrário, caso seja manifesta a falta de fundamento da pretensão do processo principal (fumus malus), a providência cautelar não e decretada, ainda que seja provado o requisito do periculum in mora;
- Ponderação de interesses: o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso tem a sua marca em sede de tutela cautelar. Com efeito, fora o caso em que seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular em sede de processo principal, existe um critério de ponderação de interesses envolvidos, por força do qual o juiz decide a concessão da providência mediante a comparação da situação do requerente com a dos eventuais contra-interessados.
Quanto
ao primeiro requisito somos da opinião que se verifica perigo
eminente para a fauna e para a flora bem como para a qualidade da
água que poderão sofrer danos irreparáveis. Quanto ao segundo
requisito, encontra-se também preenchido pois como nos iremos
pronunciar posteriormente cremos que o fundamento da acção
principal é procedente. Por último, o terceiro requisito leva-nos a
ponderar quanto ao interesse público em conservar o ambiente e a
qualidade da água ou em dinamizar económica e socialmente a zona
sendo que assim não haveria lugar à exclusão da providência
cautelar pois no nosso entender prevalece o interesse publico
invocado pelo requerente.
Todavia,
trata-se aqui da protecção do Direito ao Ambiente, art. 60º CRP,
sendo este um Direito Económico, Social e Cultural. Por seguirmos a
posição doutrinaria do Professor Vasco Pereira da Silva julgamos
que do ponto de vista Constitucional e Administrativo todas as
posições de vantagem devem ser tuteladas da mesma forma. A
distinção das vertentes não faz sentido. O legislador
constitucional cria uma lógica dualista entre Direitos Liberdades e
Garantias (DLG) e Direitos Económicos, Socias e Culturais (DESC),
mas no fim manda aplicar o regime dos DLG a todos os direitos
fundamentais. Para Vasco Pereira da Silva não é por analogia que se
aplica o regime dos DLG mas sim porque são o mesmo tipo de direitos,
não concordando com a distinção feita entre DLG e DESC.
Assim, numa lógica em que os Direitos Fundamentais são um universo em expansão o Direito ao Ambiente é um verdadeiro Direito Fundamental.
É do nosso entendimento que poderia ter sido aqui usada uma intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, presente no art. 109º CPA, uma vez que se encontravam preenchidos os seus requisitos e ao decidir da providência cautelar, por ser um evento de muito curta duração, estar-se-ia já a decidir do processo principal. Tal não pode acontecer pois a providência tem um caracter provisório e como tal o seu processo e requisitos para ser assegurada não assumem as mesmas garantias de um processo principal, que seria aqui inútil.
Assim, numa lógica em que os Direitos Fundamentais são um universo em expansão o Direito ao Ambiente é um verdadeiro Direito Fundamental.
É do nosso entendimento que poderia ter sido aqui usada uma intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, presente no art. 109º CPA, uma vez que se encontravam preenchidos os seus requisitos e ao decidir da providência cautelar, por ser um evento de muito curta duração, estar-se-ia já a decidir do processo principal. Tal não pode acontecer pois a providência tem um caracter provisório e como tal o seu processo e requisitos para ser assegurada não assumem as mesmas garantias de um processo principal, que seria aqui inútil.
- Da Avaliação de Impacte Ambiental
Ao
abrigo do artigo 30º nº1 da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº
11/87, de 7 de Abril), “Os
planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o
ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos, quer
sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da
administração central, regional ou local, quer de instituições
públicas ou privadas, devem respeitar as preocupações e normas
desta lei e terão de ser acompanhados de um estudo de impacte
ambiental.”
À
luz do seu nº2, as condições em que será efectuado o estudo de
impacte ambiental, o seu conteúdo e as entidades responsáveis são
regulados por lei.
Essa
lei de execução trata-se do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio,
alterado pelo Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro.
Uma
das inovações deste decreto-lei de execução é o carácter
vinculativo da decisão, ou como é legalmente designada, “Declaração
de Impacte Ambiental” (DIA).
No
seu artigo 1º nº 3, sujeitam-se os projectos tipificados ou
enunciados no anexo I e II à Avaliação de Impacte Ambiental (AIA,
doravante).
Ora,
a prática de desportos náuticos através da organização de uma
etapa do campeonato mundial de motonáutica não se inclui em nenhum
dos projectos tipificados nos anexos referidos.
No
entanto, o nº5 do artigo 1º, sujeita ainda a AIA os projectos que
sejam considerados por decisão conjunta do Ministro do Ambiente e do
Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do
Território, como susceptíveis de provocar um impacte significativo
no ambiente, tendo em conta os critérios estabelecidos no anexo V.
Dada
a inexistência da decisão conjunta destes dois Ministros, a
avaliação do impacte ambiental não poderá ser exigida pela
Associação Ambiental Bode Verde, resolvendo-se a questão do 48º
quesito da Petição inicial, referente ao Processo nº 0687/12.
Segundo
a opinião do professor João Miranda, a enumeração do artigo 1º,
quanto ao ambiento de aplicação do decreto-lei, é taxativa. Ao
contrário do professor Vasco Pereira da Silva que defende que a
mesma é enunciativa.
Quanto
ao 49º quesito, que invoca o artigo 3º do DL nº 69/2000, este
apenas é utilizado quando se pretende afastar a necessidade de AIA,
não sendo este o caso, dado que nem a lei, nem a decisão
ministerial a exigem.
O
autor utiliza ainda o argumento do principio da prevenção,
consagrado nos artigos 66º nº2 alinha a) da Constituição da
Republica Portuguesa e 3º alinha a) da Lei de Bases do Ambiente, de
forma a serem ponderadas as possíveis consequências da realização
da etapa do campeonato mundial de motonáutica na referida Albufeira
(50º quesito).
O
Princípio da Prevenção permite evitar ou acautelar possíveis
lesões futuras do meio ambiente, ao apreciar autonomamente as
repercussões ambientais presentes e futuras de um projecto, num
momento prévio ao da forma de actuação administrativa necessária
para que tal actuação projectada possa ter lugar.
Além
do respeito pelo princípio da prevenção, a avaliação de impacte
ambiente é ainda um instrumento de realização dos princípios do
desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos
recursos disponíveis, na medida em que por um lado introduz o factor
ambiental na tomada de decisões administrativas, levando à análise
e contraposição dos benefícios económicos com os prejuízos
ecológicos de um certo projecto, permitindo assim apreciar a
sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser relevante
em termos de desenvolvimento económico. Por outro lado, obriga à
utilização de critérios de eficiência ambiental, de forma a
optimizar a utilização dos recursos disponíveis, na avaliação da
actividade projectada.
- Da Falta de Acto Autorizativo
Analisando os quesitos 51º a 56º pronunciamo-nos sobre a questão da competência da APA para autorizar o referido evento desportivo. Indo de encontro ao invocado na petição inicial parece-nos que a APA não tem competência para autorizar mas sim para licenciar. Sendo a licença um acto permissivo precário com necessidade de verificações periódicas da eficiência ambiental a si adjacente, uma vez obtida a referida licença a preocupação ambiental não cessa, deve ser constante. Já a autorização seria então necessária e da competência da respectiva comissão de coordenação e desenvolvimento regional, segundo o art. 6º, nº1, da portaria nº783/98 alterada pela portaria 127/2006. As autorizações são actos singulares, praticados pela administração relativamente a indivíduos determinados e reguladores de determinado sector da actividade económica. Assim, tal autorização seria necessária, reforçamos. Cabe-nos no entanto concordar que a mesma não poderia ser concedida, uma vez que no nº2 do mesmo artigo são exigidos dois requisitos e estando o 1º preenchido, o mesmo não se pode dizer do 2º, tal como nos pronunciaremos posteriormente.
- Violação da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 alterada pela Lei nº 13/2002)
O
quesito 57º da Petição Inicial refere que a actividade
desenvolvida violaria o disposto no artigo 2º, nº 1 da Lei de Bases
do Ambiente (doravante, LBA), pois neste artigo é dito que todos os
cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, promover a
melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva. O que
nos importa para este caso e que está a ser violado é a última
parte do artigo, pois existindo esta etapa do campeonato mundial de
motonáutica na Albufeira de Castelo de Bode, não se está a
proceder à manutenção de uma comunidade saudável, mas sim a
desenvolver cada vez mais poluição nestas águas (nos termos do
artigo 21º da LBA, são factores de poluição do ambiente, as
actividades que afectam negativamente a saúde, o bem-estar e as
diferentes formas de vida, o equilíbrio e a perenidade dos
ecossistemas naturais, que é claramente o que está a acontecer
neste caso), não procedendo ao fornecimento de águas puras à
população como deveria ser feito, visto que abastece três milhões
de habitantes.
Quanto
ao quesito 58º, para existir um ambiente propício à saúde e ao
bem-estar das pessoas, bem como à melhoria da qualidade de vida, têm
de ser adoptadas certas medidas, como a manutenção dos ecossistemas
que suportam a vida e a preservação do património genético
(alínea d) do artigo 4º da LBA), o que não acontece quando se
verifica o excesso de poluição nos locais onde as fêmeas desovam,
afectando os ecossistemas aquáticos e podendo provocar mutações
genéticas nas gerações vindouras, logo está-se a violar o
disposto nesta alínea do artigo 4º da LBA. Ainda como medidas que
deveriam ser adoptadas temos a conservação da Natureza, o
equilíbrio biológico e a estabilidade dos diferentes habitats
(alínea e) do artigo 4º da LBA) e a plenitude da vida humana, a
permanência da vida selvagem, assim como dos habitats indispensáveis
ao seu suporte (alínea n) do artigo 4º da LBA), estas alíneas
também estavam a ser violadas, visto que estando a fauna e a flora
(artigos 15º e 16º da LBA) a desaparecer, pois a fauna é
prejudicada pela redução da quantidade de oxigénio na água e a
flora é afectada aquando da emissão de combustíveis na água,
produzindo tóxicos que impedem a correcta fotossíntese, pode levar
à extinção de espécies locais, como as aves terrestres, os
répteis e mamíferos que estão a ver invadidos os seus habitats,
estando a ser privados de estar no seu próprio habitat.
O
quesito 62º indica o artigo 33º da LBA, este artigo refere que para
o exercício de actividades efectivamente poluidoras (como já vimos
que acontece, por exemplo, nos quesitos 28º, 30º e 35º) dependerão
do prévio licenciamento pelo serviço competente do Estado
responsável pelo ambiente e ordenamento de território, logo neste
caso a APA apenas autorizou, não tendo emitido um prévio
licenciamento, assim não existia licenciamento para exercerem estas
actividades na Albufeira de Castelo de Bode.
- Da Violação da Lei Da Água
No
nosso entendimento estamos perante um valor constitucionalmente
protegido, nos termos do artigo 66º da Constituição da República
Portuguesa.
Cremos
pela procedência do pedido dos Autores, uma vez que se verificam
violações constantes a vários princípios consagrados na Lei Da
água, bem como regras, que entendemos fundamentais para a
preservação do Meio Ambiente.
Analisando
os quesitos do 59º ao 61º:
Nomeadamente,
no que se refere ao artigo 60º da Lei Da água, relativamente á
falta de licenças prévias da utilização privativa dos recursos
hídricos do domínio público, no que se refere às competições
desportivas e de navegação, bem como às infra-estruturas e
equipamentos de apoio utilizados, esta licença deveria ser prévia
por se tratar de uma competição desportiva (artigo 59º/2).
Quanto
aos princípios alegados pelas partes:
O
princípio da dimensão ambiental da água deve ser garantido na sua
utilização sustentável (artigo 3º/1, alínea b). Pelo que a
realização deste evento deverá ser reconsiderada, a fim de
prosseguir o objectivo final da protecção da água.
Por
sua vez, esta dimensão protectora deverá interliga-se com o
princípio da prevenção e o princípio do uso razoável e
equitativo das águas e das bacias hidrográficas.
Entendemos
que em qualquer utilização e actividade realizada dentro das águas
pelos particulares, deverá sempre ter-se em conta, a razoabilidade
com vista a reduzir os impactes e alterações nas águas, bem como a
preservar os recursos disponíveis.
Nos
termos do decreto-lei 54/2005 de 15 de Novembro, artigo 59º, nº1 e
artigo 5º, alínea e), estamos perante a utilização de recursos
hídricos do domínio público por particulares.
Posto
isto, nos termos do decreto-lei nº 226-A/2007, artigo 1º, é
necessário cumprir os requisitos da Lei 58/2001, de 29 de Dezembro.
No concernente à actividade de motonáutica, o Decreto-Lei nº
124/2009, de 25 de Maio, correspondente ao Regulamento de Náutica de
Recreio, estabelece alguns limites associados a estas embarcações
de recreio.
Nos
termos deste diploma artigo 59º, nº 2 estamos uma situação que
carece de licença prévia para a utilização privada de recursos
hídricos do domínio público, contudo sendo uma competição
desportiva, o artigo 60º, nº1, alínea i) será imperativo que seja
através de licença.
Pelo
que consideramos a falta de licença, um vício de invalidade de
forma.
Quanto
á função estadual, cabe-nos o princípio da cooperação, assente
no reconhecimento da protecção das águas.
No
entanto, insistimos na arguição de outras normas jurídicas que
parecem ser também relevantes na recente acção.
Ainda
no âmbito da Lei Da Água, os artigos 18º, 19º/1 e 2 alínea a) e
24º a) e b) referem-se a um ordenamento que deve ser planificado e
respeitado, na medida em que existem planos que se reservam à
actuação indisciplinada dos particulares no que se refere à
protecção e harmonização da gestão das águas com um
desenvolvimento regional e político sectoriais.
Deste
modo, cremos que é papel fundamental da Administração Pública, o
dever de tutelar este tipo de situações infractoras, prevenindo-se
assim, os efeitos negativos sobre o Ambiente e, em especial, sobre as
Águas.
Lisboa,
18 de Maio de 2012
Os
Procuradores-Gerais Adjuntos do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República,
Alexandre
Antunes dos Santos
Ana
Maria Costa
Ânia
Vaz da Conceição
Daniela
Cunha
Mamadu
Saliu Djaló
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