quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sentença

Processo nº 0012/12 TAFLEI
Data: 23/05/2012



SENTENÇA



I - Relatório
A Associação de Consumidores de Água de Lisboa (ACAL), com sede na Rua Verde nº 11, 1800-025 Lisboa, propôs acção de impugnação de acto administrativo em cumulação com acção de condenação da Administração Pública à não emissão do acto lesivo, à qual, por despacho deste Tribunal, para o qual se remete, se juntou em coligação e cumulação a Associação Ambientalista Bode Verde (ABV), com sede em Castelo de Bode, NIF nº 508235003, domiciliada na Praceta Ramo Verde, nº 4 R/C dto, nos seguintes moldes:
A ABV e a ACAL dirigem-se a este Tribunal por entenderem que o título autorizativo emitido pela APA relativo à realização do Campeonato de Motonáutica nas águas da barragem de Castelo de Bode, padecer de invalidades formais, e cujo conteúdo assumem pôr em causa o seu direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, previsto no artº 66º CRP.
Os autores entendem ainda que a realização do Campeonato Mundial de desportos motonáuticos põe em causa a violação das disposições legais que tutelam os Princípios da dimensão ambiental da água, da precaução, prevenção e correcção, bem como, o princípio da proporcionalidade da na sua vertente da razoabilidade.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), com sede em Lisboa, NIF nº 507546880, domiciliada na Av. Almirante Gago Coutinho, nº 30, 5º, na qualidade de réu, vem contestar a presente acção, na qual se junta na qualidade de contra-interessada a Federação Portuguesa de Motonáutica (FPM), com sede em Lisboa, NIF nº 501132546, domiciliada na Av. Infante D. Henrique nº 7, Muralha Nova, 1900-264 Lisboa, alegando a falsidade do documento referente à autorização apresentada pelos autores, que teria sido emitida pela APA. Alegam ainda que foi elaborada uma Avaliação de Impacte Ambiental cuja Declaração se decidiu favorável condicionada ao cumprimento de determinadas medidas de minimização dos possíveis efeitos ambientais nefastos, o que obsta à violação dos Princípios da dimensão ambiental da água, da precaução, prevenção, correcção e proporcionalidade na sua vertente da razoabilidade alegados pelos autores.
Nestes termos, pedem a improcedência da acção.
As réplicas e a tréplica apresentadas foram indeferidas em sede de Despacho Saneador, para onde se remete.

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Apreciando 
Atendendo ao alegado pelas partes e aos documentos juntos aos autos, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos: 



II-Factos Provados:
1.        A FPM irá realizar uma etapa do campeonato mundial de motonáutica que terá lugar na albufeira de Castelo de Bode nos dias 23 e 24 de Junho de 2012;
2.        Foi emitida licença de utilização de recursos hídricos pela APA a 27 de Abril de 2012;
3.        A motonáutica é um desporto aquático que engloba actividades realizadas em embarcação com propulsão por motor de explosão;
4.        O motor de explosão transforma a energia proveniente de uma reacção química em energia mecânica, utilizando hidrocarbonetos, tais como gasolina e diesel;
5.        Durante essa reacção química, as embarcações motorizadas derramam substâncias poluentes para a água, nomeadamente hidrocarbonetos (hidrogénio e carbono) e outros compostos tóxicos, cujas concentrações e composições dependem das características e da potência do motor;
6.        A quantidade de substâncias poluentes derramada pelas embarcações envolvidas no evento é de 5L/hora;
7.        Os veículos a utilizar no evento estão homologados;
8.        Não serão realizadas quaisquer construções que ponham em causa o equilíbrio paisagístico, ou o fundo da albufeira;
9.        A prova não irá ser realizada na zona balnear, ficando esta a montante do local onde se realizará a prova;
10.   O processo utilizado pela ETAR na limpeza dos hidrocarbonetos da água é feito através da utilização de floculantes;
11.   A utilização excessiva de floculantes na limpeza da água é prejudicial para a saúde humana, tornando a água imprópria para consumo;



III – Do Direito

1.     A Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003 que aprova o Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode (POACB) dispõe nos seus artigos 6º/1 alinea f) e 30º alínea b) que carecem de titulo de utilização as competições desportivas, de acordo com a lei vigente, remetendo desta forma para o Lei da Água;
2.     O DL 58/2005 Lei da Água dispõe no artigo 60º/1 alinea i) que estão sujeitas a licença prévia a realização de actividades desportivas, nas quais este Tribunal entende que se inclui a realização de uma epata do campeonato de motonáutica;
3.     O documento apresentado pela APA e FPM, como anexo 6 junto à p.i. da APA, e como anexo 4 da p.i. da FPM, é uma licença de utilização de recursos hídricos, pelo que reveste a forma legalmente exigida pelo artigo supra citado.
4.     A emissão deste títulos de utilização de recursos hídricos são regulados pelo DL 226-A/2007, de 31 de Maio, e de acordo com o seu artigo 10º, que com relevância para o caso destacam-se as alíneas a), b) e d).
5.     A prova a realizar não está necessariamente sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA);
6.     Este procedimento administrativo é um instrumento com “caracter preventivo da política do ambiente sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação” tal como definido no artigo 2º e) do DL 69/2000, de 3 de Maio;
7.     As actividades/projectos sujeitos a AIA encontram-se definidos no artigo 1º/3, 4, 5 e 6 do mesmo diploma legal;
8.     Neste caso embora o projecto não esteja enunciado no Anexo II ao DL 69/200, é requerido pela Ministra do Ambiente e pelo membro competente da área do projecto em apreciação, a realização de AIA, tendo em conta os critérios delimitados no Anexo V.
9.     Tal determina, assim, que neste caso a AIA é obrigatória.
10.         Ora, a ré APA junta aos autos como anexo 1 à sua p.i. uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) com parcer de AIA favorável condicionada ao cumprimento de certas medidas;
11.         Assim, dá-se por provado que a licença emitida pela APA deu cumprimento à alínea d) do DL 226-A/2007.
12.         A prova não irá ser realizada na zona balnear, mas apenas no plano de água da albufeira, e esta é a jusante da zona balnear;
13.         Ficou provado que a forma de remoção das substâncias poluentes derramadas pelas motonáuticas, os hidrocarbonetos, é realizada através de floculantes, que quando utilizados de forma excessiva em função da maior poluição da água pelos hidrocarbonetos é também prejudicial;
14.         Contudo, não ficou provado que o nível de poluição causado pela competição na água venha a atingir níveis anormais, tornando a água um risco para a saúde humana;
15.         E, tendo ainda em conta que, nos termos do artigo 6º/1 alinea e) do POACB é permitida a navegação recreativa com embarcações propulsionadas a motor de combustão interna a quatro tempos no plano de água, não estabelecendo o artigo nenhum limite de horas ou número de embarcações;
16.         E por fim, não tendo sido estabelecido uma relação entre a quantidade de hidrocarbonetos derramada – 5l/h – e a exigência de utilização de maior quantidade de floculantes;
17.         Conclui-se que não está afectado o uso efectivo e prioritário da água da albufeira para consumo, nem tão pouco a possibilidade da prática balnear durante o evento, pelo que entende o Tribunal que a licença também deu cumprimento ao disposto na alínea a) do artigo 10º do DL 226-A/2007.
18.         De resto, não foi alegado pelos autores a possível violação de um direito preexistente, nem tão pouco tal resulta do processo, pelo que deu-se também cumprimento à alínea b) do DL 226-A/2007.
19.         Alegam ainda os autores que a entidade competente para a emissão de licença de utilização de recursos hídrico é ARH do Tejo invocando o artigo 12º/1 do DL 226-A/2007;
20.         A competência atribuída por este DL às ARH parece ser uma competência exclusiva destes organismos, contudo havendo um diploma legal posterior que atribui a mesma competência à APA, conclui-se que o legislador intencionou criar uma competência partilhada;
21.         Assim, a APA tem competência para emissão desta licença nos termos do artigo 3º/2 alineas a) e l) do DL 56/2012, e tendo este ultimo diploma legal entrado em vigor em 1-04-2012 e sendo a licença datada 2012-05-22, conclui-se que o acto foi praticado legalmente, pois nesta data a APA já era legalmente habilitada para a prática do acto.
22.         Cabe a este Tribunal analisar a importância, no âmbito do Direito do Ambiente, dos Princípios previstos no DL 11/87, de 7 de Abril (LBA), nomeadamente o Princípio da Prevenção (artº 3º al. a) segundo o qual se exige que nas actuações com efeitos negativos no ambiente, imediatos ou a prazo, devam ser consideradas, de forma antecipada, medidas que minimizem ou excluam esses efeitos nefastos, sendo necessário um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
23.         Apesar da prova realizada pela bióloga marinha, em sede de audiência de julgamento, referir que a utilização de motonáuticas poderá ter impactos no ciclo migratório da cegonha branca, na reprodução da solha e na desova da truta, face à normal utilização destas (e de outras) embarcações no local, permitidas por lei, não fizeram os autores prova suficiente de que os impactos da competição desportiva tenham consequências significativas ou irreversíveis para a fauna local;
24.         Aliás, não ficou provado que as medidas previstas na DIA para minimização dos efeitos nefastos no ambiente não sejam suficientes e apropriadas para garantir o equilíbrio ecológico da zona da albufeira; 
25.         E não se pode falar ainda de dano pois o evento ainda não se realizou.
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III – Da Decisão


        Face ao exposto, julgo a acção improcedente tanto quanto ao pedido de impugnação do acto administrativo como quanto ao pedido de condenação da administração à não emissão de acto lesivo.


Os Juízes,
João Sobral Fitas
José Maria Camara
Madalena Monteiro
Maria Benedita Bettencourt

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