quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sentença - Subturma 9

Sentença subturma 9

Sentença

Processo nº 0012/12 TAFLEI
Data: 23/05/2012



SENTENÇA



I - Relatório
A Associação de Consumidores de Água de Lisboa (ACAL), com sede na Rua Verde nº 11, 1800-025 Lisboa, propôs acção de impugnação de acto administrativo em cumulação com acção de condenação da Administração Pública à não emissão do acto lesivo, à qual, por despacho deste Tribunal, para o qual se remete, se juntou em coligação e cumulação a Associação Ambientalista Bode Verde (ABV), com sede em Castelo de Bode, NIF nº 508235003, domiciliada na Praceta Ramo Verde, nº 4 R/C dto, nos seguintes moldes:
A ABV e a ACAL dirigem-se a este Tribunal por entenderem que o título autorizativo emitido pela APA relativo à realização do Campeonato de Motonáutica nas águas da barragem de Castelo de Bode, padecer de invalidades formais, e cujo conteúdo assumem pôr em causa o seu direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, previsto no artº 66º CRP.
Os autores entendem ainda que a realização do Campeonato Mundial de desportos motonáuticos põe em causa a violação das disposições legais que tutelam os Princípios da dimensão ambiental da água, da precaução, prevenção e correcção, bem como, o princípio da proporcionalidade da na sua vertente da razoabilidade.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), com sede em Lisboa, NIF nº 507546880, domiciliada na Av. Almirante Gago Coutinho, nº 30, 5º, na qualidade de réu, vem contestar a presente acção, na qual se junta na qualidade de contra-interessada a Federação Portuguesa de Motonáutica (FPM), com sede em Lisboa, NIF nº 501132546, domiciliada na Av. Infante D. Henrique nº 7, Muralha Nova, 1900-264 Lisboa, alegando a falsidade do documento referente à autorização apresentada pelos autores, que teria sido emitida pela APA. Alegam ainda que foi elaborada uma Avaliação de Impacte Ambiental cuja Declaração se decidiu favorável condicionada ao cumprimento de determinadas medidas de minimização dos possíveis efeitos ambientais nefastos, o que obsta à violação dos Princípios da dimensão ambiental da água, da precaução, prevenção, correcção e proporcionalidade na sua vertente da razoabilidade alegados pelos autores.
Nestes termos, pedem a improcedência da acção.
As réplicas e a tréplica apresentadas foram indeferidas em sede de Despacho Saneador, para onde se remete.

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Apreciando 
Atendendo ao alegado pelas partes e aos documentos juntos aos autos, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos: 



II-Factos Provados:
1.        A FPM irá realizar uma etapa do campeonato mundial de motonáutica que terá lugar na albufeira de Castelo de Bode nos dias 23 e 24 de Junho de 2012;
2.        Foi emitida licença de utilização de recursos hídricos pela APA a 27 de Abril de 2012;
3.        A motonáutica é um desporto aquático que engloba actividades realizadas em embarcação com propulsão por motor de explosão;
4.        O motor de explosão transforma a energia proveniente de uma reacção química em energia mecânica, utilizando hidrocarbonetos, tais como gasolina e diesel;
5.        Durante essa reacção química, as embarcações motorizadas derramam substâncias poluentes para a água, nomeadamente hidrocarbonetos (hidrogénio e carbono) e outros compostos tóxicos, cujas concentrações e composições dependem das características e da potência do motor;
6.        A quantidade de substâncias poluentes derramada pelas embarcações envolvidas no evento é de 5L/hora;
7.        Os veículos a utilizar no evento estão homologados;
8.        Não serão realizadas quaisquer construções que ponham em causa o equilíbrio paisagístico, ou o fundo da albufeira;
9.        A prova não irá ser realizada na zona balnear, ficando esta a montante do local onde se realizará a prova;
10.   O processo utilizado pela ETAR na limpeza dos hidrocarbonetos da água é feito através da utilização de floculantes;
11.   A utilização excessiva de floculantes na limpeza da água é prejudicial para a saúde humana, tornando a água imprópria para consumo;



III – Do Direito

1.     A Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003 que aprova o Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode (POACB) dispõe nos seus artigos 6º/1 alinea f) e 30º alínea b) que carecem de titulo de utilização as competições desportivas, de acordo com a lei vigente, remetendo desta forma para o Lei da Água;
2.     O DL 58/2005 Lei da Água dispõe no artigo 60º/1 alinea i) que estão sujeitas a licença prévia a realização de actividades desportivas, nas quais este Tribunal entende que se inclui a realização de uma epata do campeonato de motonáutica;
3.     O documento apresentado pela APA e FPM, como anexo 6 junto à p.i. da APA, e como anexo 4 da p.i. da FPM, é uma licença de utilização de recursos hídricos, pelo que reveste a forma legalmente exigida pelo artigo supra citado.
4.     A emissão deste títulos de utilização de recursos hídricos são regulados pelo DL 226-A/2007, de 31 de Maio, e de acordo com o seu artigo 10º, que com relevância para o caso destacam-se as alíneas a), b) e d).
5.     A prova a realizar não está necessariamente sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA);
6.     Este procedimento administrativo é um instrumento com “caracter preventivo da política do ambiente sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação” tal como definido no artigo 2º e) do DL 69/2000, de 3 de Maio;
7.     As actividades/projectos sujeitos a AIA encontram-se definidos no artigo 1º/3, 4, 5 e 6 do mesmo diploma legal;
8.     Neste caso embora o projecto não esteja enunciado no Anexo II ao DL 69/200, é requerido pela Ministra do Ambiente e pelo membro competente da área do projecto em apreciação, a realização de AIA, tendo em conta os critérios delimitados no Anexo V.
9.     Tal determina, assim, que neste caso a AIA é obrigatória.
10.         Ora, a ré APA junta aos autos como anexo 1 à sua p.i. uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) com parcer de AIA favorável condicionada ao cumprimento de certas medidas;
11.         Assim, dá-se por provado que a licença emitida pela APA deu cumprimento à alínea d) do DL 226-A/2007.
12.         A prova não irá ser realizada na zona balnear, mas apenas no plano de água da albufeira, e esta é a jusante da zona balnear;
13.         Ficou provado que a forma de remoção das substâncias poluentes derramadas pelas motonáuticas, os hidrocarbonetos, é realizada através de floculantes, que quando utilizados de forma excessiva em função da maior poluição da água pelos hidrocarbonetos é também prejudicial;
14.         Contudo, não ficou provado que o nível de poluição causado pela competição na água venha a atingir níveis anormais, tornando a água um risco para a saúde humana;
15.         E, tendo ainda em conta que, nos termos do artigo 6º/1 alinea e) do POACB é permitida a navegação recreativa com embarcações propulsionadas a motor de combustão interna a quatro tempos no plano de água, não estabelecendo o artigo nenhum limite de horas ou número de embarcações;
16.         E por fim, não tendo sido estabelecido uma relação entre a quantidade de hidrocarbonetos derramada – 5l/h – e a exigência de utilização de maior quantidade de floculantes;
17.         Conclui-se que não está afectado o uso efectivo e prioritário da água da albufeira para consumo, nem tão pouco a possibilidade da prática balnear durante o evento, pelo que entende o Tribunal que a licença também deu cumprimento ao disposto na alínea a) do artigo 10º do DL 226-A/2007.
18.         De resto, não foi alegado pelos autores a possível violação de um direito preexistente, nem tão pouco tal resulta do processo, pelo que deu-se também cumprimento à alínea b) do DL 226-A/2007.
19.         Alegam ainda os autores que a entidade competente para a emissão de licença de utilização de recursos hídrico é ARH do Tejo invocando o artigo 12º/1 do DL 226-A/2007;
20.         A competência atribuída por este DL às ARH parece ser uma competência exclusiva destes organismos, contudo havendo um diploma legal posterior que atribui a mesma competência à APA, conclui-se que o legislador intencionou criar uma competência partilhada;
21.         Assim, a APA tem competência para emissão desta licença nos termos do artigo 3º/2 alineas a) e l) do DL 56/2012, e tendo este ultimo diploma legal entrado em vigor em 1-04-2012 e sendo a licença datada 2012-05-22, conclui-se que o acto foi praticado legalmente, pois nesta data a APA já era legalmente habilitada para a prática do acto.
22.         Cabe a este Tribunal analisar a importância, no âmbito do Direito do Ambiente, dos Princípios previstos no DL 11/87, de 7 de Abril (LBA), nomeadamente o Princípio da Prevenção (artº 3º al. a) segundo o qual se exige que nas actuações com efeitos negativos no ambiente, imediatos ou a prazo, devam ser consideradas, de forma antecipada, medidas que minimizem ou excluam esses efeitos nefastos, sendo necessário um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
23.         Apesar da prova realizada pela bióloga marinha, em sede de audiência de julgamento, referir que a utilização de motonáuticas poderá ter impactos no ciclo migratório da cegonha branca, na reprodução da solha e na desova da truta, face à normal utilização destas (e de outras) embarcações no local, permitidas por lei, não fizeram os autores prova suficiente de que os impactos da competição desportiva tenham consequências significativas ou irreversíveis para a fauna local;
24.         Aliás, não ficou provado que as medidas previstas na DIA para minimização dos efeitos nefastos no ambiente não sejam suficientes e apropriadas para garantir o equilíbrio ecológico da zona da albufeira; 
25.         E não se pode falar ainda de dano pois o evento ainda não se realizou.
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III – Da Decisão


        Face ao exposto, julgo a acção improcedente tanto quanto ao pedido de impugnação do acto administrativo como quanto ao pedido de condenação da administração à não emissão de acto lesivo.


Os Juízes,
João Sobral Fitas
José Maria Camara
Madalena Monteiro
Maria Benedita Bettencourt

SENTENÇA - Subturma 07


SENTENÇA

Processo: Procºnº 0687/2012

Data 21/05/2012

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal Administrativo Círculo de Leiria:

Relatório

A ASSOCIAÇÃO DE CONSUMIDORES DE ÁGUA DE LISBOA, organização não governamental de cariz ambiental, nos termos do artigo 2º da lei 35/98; resgistada com o nº NIPC 342999 070, sediada na Rua Verde às Bolinhas Amarelas, nº5, 1457-0003 Lisboa – vem interpor ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL nos termos do Artigo 50.º CPTA vem propor acção administrativa especial contra a AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P., Rua da Murgueira, nº 9, 9 A, Zambujal, Ap. 7585 – 2610-124 Amadora e contra a FEDERAÇÃO MOTONÁUTICA PORTUGUESA, situada à Av.Infante D. Henrique – Muralha Nova S/N, 1900-264 Lisboa, em virtude da autorização emitida pela APA, em 20 de abril, para a realização da 3ª etapa do World Motornautic Formula One (WMFO), organizada pela Federação Portuguesa de Motonáutica, na Albufeira de Castelo do Bode.

Foram apensados os processos nº 8456/2012 e  8756/2012 tendo em vista a existência do mesmo objeto nas acções com diferentes autores – a Associação de Consumidores de Água de Lisboa e a Associação Ambientalista Bode Verde, respectivamente - pessoa colectiva de direito privado, portadora do NPC nº 11020510, contribuinte fiscal nº 111227430, sediada na Rua Castelo Verdinho, nº 21, 1º Dto., 1700-535 Tomar, representada pelo seu presidente António Mata Limpa.
Conclui assim as suas alegações:

1- Após a emissão de ambas as petições iniciais os réus expuseram as Contestações, seguidas pelas Réplicas e Tréplicas.

2- No caso, restaram saber se o evento causa destruição no estado ecológico dos recursos hídricos da albufeira e afecta os ecosistemas aquáticos; se por ser um reservatório de águas públicas, uma possível poluição produzida pelo evento afectaria o consumo de água potável na população; o tipo de combustível dos motores e se esses são de dois ou de quatro tempos; se há compensação entre o custo em relação ao benefício obtido na região; se os efeitos do impacto ambiental do Campeonato de Vila Franca de Xira e Alqueva servem ou não como referência do possível impacto que este campeonato internacional poderá ter para a Albufeira de Castelo de Bode; se a competição terá ou não efeitos nas habituais secas da região, se afectaria a zona balnear da Albufeira de Castelo de Bode; e se o acampamento do campeonato tem repercussões no espaço envolvente.

3 - Em Audiência de Julgamento foram ouvidas as testemunhas dos autores e dos réus:

a) A primeira testemunha a se pronunciar foi a Sra. Genoveva Cartacho, licenciada em biologia pela Universidade de Lisboa, frequentando o 2º ano de Mestrado em biologia marinha. A Associação Ambientalista Bode Verde direcionou perguntas à referida testemunha e a mesma respondeu que as análises feitas da água das barragens demonstraram que com a realização do Campeonato o Plancton ficará afetado, assim como provocará a morte de peixes e sua decomposição liberará toxinas prejudiciais ao ecossistema. Além disso, a barragem afetará as populações que costumam usar a zona balnear e a massa de água diminuirá, o que já ocorre naturalmente e será agravado com a acção humana.
Em seguida, a ACAL dirigiu suas perguntas em relação ao ecossistema e as respostas foram que não só ps peixes, mas também toda a cadeia alimentar ficará prejudicada. Mesmo a Albufeira não possuindo um ecossistema único, todas as espécies devem ser protegidas e o Acampamento também provocará impactos, uma vez que serão derramados muitos elementos químicos nas águas.
O réu, por sua vez, abriu questionamento acerca da extinção dos peixes e a testemunha respondeu que o Peixe Boga é uma espécie rara a nível mundial a partir do momento que só existe na Península Ibérica, concluindo assim que está em extinção. Também foi questionado se as medidas de tratamento das águas serão suficientes e a resposta foi positiva, do mesmo modo que os impactos serão reduzidos devido ao uso do biocombustível.
Por fim, o Exmo. Juiz demandou quais foram os critérios utilizados pela bióloga para concluir que a espécie Boga está em extinção. A testemunha respondeu que o fato de só existir na Península Ibérica já é um critério de extinção. Ademais, foi questionado de o ecossistema é de regeneração natural e a bióloga respondeu que é dificultado devido ao fato da massa de água das barragens estar parada.

b) A segunda testemunha foi o analista, o Sr. Vasco Verdocas, o qual realiza estudos sobre a qualidade da água e o nível de nutrientes. A ACAL inciou as perguntas questionando sobre a qualidade da água antes da competição e obteve como resposta que os valores estavam nos parâmetros normais e que é preferível ter uma água pura e cristalina (característica especial), como é a água da Albufeira, do que uma água afetada que será consumida pela população. Além disso, o efeito seria mais devastador por ser águas paradas, diferenciando-se da Albufeira de Alqueva, uma vez que a Albufeira de Castelo do Bode é menor. Desta forma, o analista concluiu que a qualidade da água vai diminuir drasticamente com a realização do Campeonato e mesmo com o tratamento da água, esta não voltará a ser a mesma.
A Associação Ambientalista Bode Verde elaborou questões acerca dos custos elevados do processo de tratamento, sendo também muito demorado. Além da água, a flora e fauna da Albufeira também vão ser prejudicadas.
A APA (réu) dirigiu suas perguntas em relação aos hidrocarbonetos, os quais serão deteriorizados no fundo da Albufeira e ficarão lá, demorando de 5 a 10 anos para diminuir, mas nunca desaparecerão. Já a FPM alegou a diferença entre a água poluida pela competição com a água poluida pelo uso comum de barcos (tratada anualmente) e frisou que já existem outros barcos circulando na Albufeira.

c) A Sra. Fiorela Bela, bióloga, foi a terceira testemunha a se pronunciar, respondendo primeiramente as questões da APA, entidade responsável pela demanda do parecer técnico. Essa testemunha realizou um estudo visando desmistificar o pensamento geral que qualquer atividade humana pode prejudicar o meio ambiente. Por meio dele se chegou a conclusão das principais espécies que habitam a Albufeira: Peixe Boga, Peixe-Gato, Lontra e Truta, informando que não há qualquer risco para essas espécies a partir do estudo realizado. Além disso, também afirmou que o peixe-gato é uma espécie que se alimenta de todas as outras da barragem fazendo um desequilibrio no sistema.
A Associação Ambientalista Bode Verde perguntou se o campeonato será realizado em toda a Albufeira, contrapondo o estudo da bióloga, baseado apenas no sul da Albufeira. A testemunha respondeu que as espécies em geral encontram-se em abundância, tendo um impacto reduzido.
A ACAL demandou quais atividades acerca do objeto do estudo (desmistificar o pensamento geral que qualquer atividade humana pode prejudicar o meio ambiente), concluindo que o estudo não versa sobre o campeonato mundial de 4 dias, e sim um estudo geral. No entanto, a testemunha afirmou que devido à duração do campeonato reduzida, os níveis de poluição não serão suficientes para prejudicar o meio ambiente. Ademais, a Entidade lembrou que existem outras espécies de seres vivos que não foram avaliadas pelo estudo e que os peixes poluidos prejudicarão também os serem humanos ao ingeri-los. Por fim, alegou que o estudo não foi direcionado à flora.

d) Pedro, gestor, representante em Portugal da YAMAHA, foi a última testemunha ouvida na audiência. A FPM iniciou discussão acerca do Documento 3 apresentado pela ACAL (relativo à disponibilização de motas a 2 tempos), cuja autenticidade foi declarada falsa pelo representante da empresa Yamaha. O mesmo respondeu que conhece o Diretor da Entidade e afirmou que os motores que serão utilizados no campeonato serão de 4 tempos, uma vez que a Yamaha só trabalha com esse modelo e ainda com a utilização de biocombustível, que gera menor poluição e como consequência, um ambiental reduzido. Por último afirmou que os Campeonatos de Vila Franca e Xiva não podem ser utilizados como parâmetro por possuírem factos diferentes, visto que foram utilizados barcos e não motas.
A Associação Ambientalista Bode Verde perguntou se os combustiveis bio-degradáveis conseguem atingir a potência esperada no campeonato e a resposta foi positiva. Em seguida fez mais questões acerca da falsidade do documento e da utilização de motas de 4 tempos e biocombustivel, sendo que as respostas foram as mesmas já relatadas. Quanto ao custo com a limpeza das águas, isso o gestor não pode responder porque não compete à Yamaha. Ademais, afirmou que por ser o representante em Portugal, todos os documentos passam por ele e por fim, respondeu que não foi utilizado o biocombustível em Alqueva.
O Exmo. Juiz ainda elaborou questões à testemunha acerca da diferença a nível ambiental das motas de 2 tempos e 4 tempos e o gestor respondeu que as de 4 tempos geram menos impactos ao meio ambiente.

4 - Após a inquirição de testemunhas, as partes exararam seus pareceres finais:

Associação de Bode Verde – a Entidade alegou que seria incontestável que em 4 dias de campeonato fosse invalidada a possibilidade de danos gravíssimos de difícil reparação e além de circular as motas do campeonato, também circulariam intensamente diversos barcos como os de socorro. Expôs a importância da Albufeira, que é de águas públicas, sendo o maior reservatório de água nacional, abastecendo mais de 2 milhões de habitantes. Quanto ao uso do biocombustível, afirmou não ser plausível que a FPM exigisse carcterísticas dos outros participantes para adaptar os motores a esse combustível, além de diminuir a velocidade das motas. Afirmou que o campeonato vai causar impactos ambientais enormes, uma vez que a poluição pode causar danos significativos em termos de consumo, peixes e diminuir os turistas na Albufeira, caracterizando um prejuízo econômico. Embora a competição possa trazer um desenvolvimento regional, ela afetará a qualidade da água, fauna, flora e a própria cadeia alimentar, concluindo que os custos/benefício não serão proporcionais.
No que tange às questões de direito, afirmou que o ato que dispensou a AIA não foi feito em termos adequados e foram violados: o regulamento da Albuferia, que permite velocidade máxima de 9 nós; os princípio da Lei da Água – prevenção, precaução, probabilidade e proporcionalidade.

Associação dos Consumidores de Água de Lisboa – alegou as graves alterações na qualidade da água que podem ocorrer com a realização do campeonato, os riscos de extinção das espécies e a saúde dos consumidores prejudicada. Também afirmou que o estudo muito genérico de uma das testemunhas deve ser desconsiderado, a contradição na falsidade do documento (motas de 2 tempos) e que não há benefícios superiores aos custos (ambientais e econômicos). Quanto às questões de direito, citou artigos da Constituição e princípios da dimensão ambiental da água, precaução e prevenção, além do Decreto Regulamentar 02/88 e o Plano de Ordenamento da Albufeira que proíbe esse tipo de campeonato.

Agência Portuguesa do Ambiente – o réu alegou que a irreversibilidade não ficou devidamente incontestada e que não se pode afirmar que o evento diminuirá os recursos, por ser apenas 4 dias. Além disso, afirmou que a APA só permitiu motas de 4 tempos e oleos biodegradaveis, que ameniza os impactos ambientais, não havendo afetação da zona balneária em termos de pessoas e econômica, pelo contrario, aumentará o turismo. Sendo que os próprios autores concordam que o campeonato aumentará o nivel do turismo e desenvolvimento da área. Nas questões de direito concordou que o projeto não estava sujeito a AIA (DL 69/2000) e que não houve violação do plano de ordenamento da Albufeira pois a prova nao será realizada na zona restrita e mesmo se fosse, quando se trata de provas esportivas o ordenamento é dispensado. Quanto à autorização, foram tomadas todas as medidas necessárias e não houve violação dos princípios, pois a autorização foi baseada nos motores de 4 tempos e biocombustível. Concluiu pela acção improcedente.

Federação Portuguesa de Motonáutica – se pronunciou no mesmo sentido que a APA, afirmando estar assente a utilização de oleos biodegradaveis e o desenvolvimento regional e que não fica provado que os custos serão superiores aos benefícios. A violação à Lei da Água pode ser explicada pela utilização de combustíveis menos poluentes e a Albufeira é uma área própria para realização dessas provas.

O Ministério Público, por fim, se manifestou pela improcedência da acção.

Cumpre apreciar e decidir.

De Facto
A Federação Portuguesa de Motonáutica (FPM) requereu à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) em 27 de Janeiro de 2012, autorização para realizar uma etapa do campeonato mundial de motonáutica na Albufeira de Castelo de Bode. A autorização por parte da Agência Portuguesa Ambiental foi atribuída no dia 20 de Abril de 2012 e o campeonato se realizará nos dias 16 a 19 de Junho de 2012.

Esta competição terá lugar no plano de água, tendo ficado vedada a utilização das zonas de proteção à barragem e respectivos órgãos de segurança. O reservatório da Albufeira de Castelo de Bode serve de abastecimento de água, contudo também são admitidas provas lúdicas na área.

A Federação Portuguesa de Motonáutica possui uma Licença Especial de Ruído (segundo o documento anexado à contestação da referida parte) emitida pela autoridade competente da Câmara Municipal de Abrantes.

Todas as partes concordam que as actividades náuticas contribuem para o desenvolvimento da região da Albufeira de Castelo de Bode.
    
Uma das preocupações dos autores consistia no facto do evento causar destruição no estado ecológico dos recursos hídricos da albufeira, afectando não só o consumo de água potável da população (já que se constitui um reservatório de águas públicas), mas também os seus ecossistemas aquáticos. Se isso realmente acontecesse de facto feriria o Princípio da Precaução. No entanto, não ficou provado que a poluição das águas seria tal, a ponto de constituir um dano irreversível ou mesmo tão agressivo para os moradores da região e do ecossistema que o cerca, não constituindo um argumento contundente que justifique o cancelamento do evento.

Este campeonato foi criado em 2004 e já está na sua 3a etapa. Claro que como em qualquer outro campeonato a cada etapa algumas regras vão sendo adaptadas e alteradas segundo as necessidades do evento e o advento da tecnologia. Nos campeonatos anteriores as motas utilizadas eram de 2 tempos e o combustível destas eram poluentes (gasolina ou gasóleo). No entanto, segundo as normas dessa etapa, as motas utilizadas serão de 4 tempos, cujo combustível é biodegradável e menos agressivo ao meio ambiente.

O Certificado Verde constitui também um documento relevante e que comprova a consciência dos organizadores em quererem amenizar os danos ao ambiente, já que fazem uso de um combustível menos agressivo ao Planeta.


Assim como o tipo de mota e o combustível utilizado, mudaram também as regras em relação a área e as condições da prova, não implicando numa violação do referido Regulamento, além disso, o campeonato (segundo organização do evento) não será realizado numa zona de navegação restrita.

Se as regras da competição são alteradas a cada etapa, concluo que os efeitos do impacto ambiental do Campeonato de Vila Franca de Xira e Alqueva NÃO servem como referência do possível impacto que este campeonato internacional poderá ter para a Albufeira de Castelo de Bode.

Além disso, não ficou provado de que quatro dias de uso da Albufeira de Castelo de Bode pelo campeonato afectarão intensamente o seu volume de água a ponto de prejudicar o abastecimento de água do local, seu consumo e a vida dos animais e plantas que lá convivem.

É preciso estar atento ao local onde se instalarão os acampamentos. Estes precisam estar estrategicamente localizados numa área cujos dejetos não sejam despejados na Albufeira e não afecte o ecossistema. As condições colocadas pelo réu sobre a área de campismo devem ser estritamente respeitadas.


Não ficou claro que o custo com a limpeza das águas da albufeira  serão manifestamente superiores aos benefícios económicos que o evento trará à região. Pelo contrário, eventos como estes evidenciam mais o local e atraem os turistas, favorecendo a captação de recursos e fazendo girar a economia.



São os seguintes os factos considerados provados na sentença requerida:


Nada mais foi dado como provado. 

De Direito

O projecto privado WMFO (World Motornautic Formula One) organizado pela Federação Portuguesa de Motonautica, não está sujeito à Avaliação de Impacto Ambiental. Este não se encontra os anexos do DL nº 69/2012 art.1º/2 nem consta de despacho conjunto dos Ministérios.
A assunção por parte da Federação Motonáutica, da utilização de motores bio-degradáveis e a autorização requerida a APA vai de encontro ao art.3º a) e art.40º da Lei de Bases do Ambiente. Por esta forma não se revela o incumprimento de tais preceitos legais, reflectindo-se ao invés, o cumprimento do princípio ambiental da prevenção.
Tendo assente que a Albufeira de Castelo de Bode detém um Plano de Ordenamento do território (Resolução do Conselho de Ministros nº69/2003), conforme sublinhou o parecer do Ministério Público, não se aplica no caso concreto o Regime Jurídico de Protecção das Águas Públicas com base no art. 16º e art. 5º/4 do POACB (Plano do Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode).
O referido POACB, distingue no Capítulo III – Zonamento da Área de Intervenção - as zonas de navegação restrita e livre.
A autorização atribuída pela APA à Motonáutica, impõe que a competição seja realizada nas zonas de navegação livre (Documento em anexo 1 Contestação Federação Motonáutica). A alteração do comunicado oficial da FPM, revelou as mudanças necessárias impostas pela autorização da APA (Documento no Anexo IV contestação FPM). Não se põe, assim em causa a violação do art.17º do POACB.
Relativamente à Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro), não ficou provado que o campeonato põe em causa, uma utilização não sustentável da Albufeira ou o seu desenvolvimento sustentável. Como já foi referido, as medidas destinadas a evitar um possível impacto negativo das águas foram impostas pela a autorização da APA à FPM tanto no que toca à exigência de combustíveis bio-degradáveis como a mudança dos motores de 2 tempos para os de 4 tempos. Não são violadas as alíneas b), d), e) e f) do artigo 3º) desta Lei, e por conseguinte a violação dos princípios da prevenção e precaução.
Não se assiste o incumprimentodos princípios relativos ao planeamento das águas apontados.
O custo e as vantagens económicos do evento com relevância para a gestão da água foram equiparados ao Campeonato de Vila Franca de XIRA, nenhum dos custos e receitas apresentadas (doc4. Petição Inicial da Associação Ambientalista Bode Verde) se relaciona com a gestão da água - art.25º b). Não há indícios do incumprimento do princípio da ponderação.
Como já foi referido não ficou claro que nas condições estipulados pela autorização põe em causa a capacidade regenerativa da Albufeira. Não está em causa o princípio da durabilidade da Lei da Água – art.25º d) .

No que toca à autorização atribuída pela APA à FPM, à licença exigida pelo art.60º e identificada no art.67º, e ao títuilo de utilização de recursos hídricos, seguimos o entendimento do Ministério Público que passamos a parafrasear:

“De acordo com o artigo 6.º, n.º1, alínea f), do POACB é permitido no
plano da água (entenda-se toda a área passível de ser ocupada pela albufeira),
a realização de competições desportivas com “previa autorizaçãodas
autoridades competentes. A autorização referida, não é uma verdadeira
autorização. É sim uma licença atendendo ao disposto no artigo 60.º n.º 1
alínea i) da Lei da Água).
Além da licença prévia referida, o artigo 30.º, alínea i), do POACB, exige
Título de Utilização para as Utilizações do Domínio Hídrico.
Dito isto, importa ter em conta as devidas entidades competentes para a
emissão da respetiva licença prévia disfarçada, como se disse de autorização e
do título de utilização dos recursos hídricos. O Decreto-lei 107/2009, no seu
artigo 27.º, n.º1 e n.º2, atribui competência para a “prévia autorização” à
respetiva Administração Regional Hidrográfica.
Por sua vez, o Decreto-lei 56/2012 de 12 de Março, no artigo 3.º, n.º3,
alínea d), atribui competência para emitir título de utilização de recurso hídrico
em favor da agência portuguesa do Ambiente, com entrada em vigor à data de
13 de Abril de 2012.
A entrada em vigor do Decreto-lei 53/2012 acabou por revogar
tacitamente a atribuição de competência para a emissão dos títulos de
utilização de recursos hídricos à respetiva administração regional hidrográfica
(artigo 15.º e 18.º do Decreto-lei 53/2012 e artigo 12.º n.º 1 do Decreto-lei 226-
A/2007 a contrario).
Concedido o título de utilização de recursos hídricos, no dia 20 de Abril
de 2012, à data da sua emissão, o respectivo título não padecia de qualquer
invalidade, nomeadamente, uma fortuita preterição da entidade competente
(que acontecendo acarretaria a nulidade por incompetência absoluta nos
termos e para efeitos do artigo 133.º, n.º1, alínea b) e 134.º CPA).
Podíamos pensar que no caso em análise exigia-se tanto “autorização
prévia” como o título de utilização de recursos hídricos. No entanto, a Portaria
1021/2009, artigo 3.º, n.º 2, contenta-se apenas com o título de utilização de
recurso hídrico, a emitir portanto pela Agência Portuguesa do Ambiente.”
A Licença atendente à prática de desportos do Decreto-Lei nº 310/2002, é dispensada segundo o art.32º/2 do mesmo diploma.


Deverá, assim, e sem mais, ser negado procedência da acção.


Decisão



Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Administrativo Círculo de Leiria, em conferência, negar provimento à acção administrativa especial.



O Juiz

Clodoaldo Britto da Silva Santos